Mais um conto escrito há algum tempo, mas publicado somente agora, como memória e origem da Mistress Cora.
Foi numa tarde cinzenta, enquanto aspirava a casa, que Coraline destravou um chave de uma das portas mais profundas do seu ser e foi consumida por uma dor, uma angústia que lhe foi traduzida em lágrimas.
- Eu não quero mais estar aqui! - Essa frase não veio somente na sua mente, como foi sentida em cada célula do seu corpo.
Ela até tentou esconder as lágrimas dos outros que estavam à sua volta, mas a dor era tamanha que não cabia mais dentro do seu peito.
Seu corpo clamava por partir. Ela sentia que se ficasse, desta vez ela se quebraria e mataria sua última vontade de viver.
- O que eu faço agora? O que isso significa? Eu preciso ir embora de onde? Desta casa? Desta cidade? Desta família? Deste relacionamento?
Essas foram somente os primeiros de muitos dolorosos questionamentos que estavam por vir.
As lágrimas corriam incessantemente, enquanto ela tentava encontrar uma resposta.
Entre idas ao banheiro para limpar toda a dor que escorria pelo seu nariz e o aspirar quase incessante de uma casa que não lhe pertencia, ela decidi dar voz ao seu corpo:
-Eu vou embora desta casa! Eu preciso ir! Eu não aguento mais! - Essa foi a primeira decisão que começou a abrir a porta.
Ela arrumou suas coisas e apesar de não conseguir ir embora no momento, ela orquestrou tudo para que acontecesse o quanto antes.
Já em outra cidade, a primeira semana longe de onde estava, foi uma das mais dolorosas em sua vida. A porta se escancarava cada vez mais e um mar de dor escorria inúmeras vezes pela sua face.
Ela não entendia ainda o que significava toda aquela dor, na verdade ainda não queria assumir pra si mesma o que tudo aquilo significava. No meio daquele caos, a única coisa que ela tinha certeza, era a sensação no corpo de que precisava ir embora. A mudança de casa e cidade não haviam sido suficientes.
A raiva lhe consumia, via nas pessoas mais próximas tudo aquilo que ela não queria mais.
- Será que chegou o dia de eu ir embora dessa relação? - Ela passou a se questionar sobre o próprio casamento de quase 10 anos.
A cada dia que passava, esse parecia ser o caminho e junto disso, muita dor, lembranças dos momentos que não queria ter passado, mas daqueles dos quais amou tanto.
- Isso não é mais o suficiente pra mim! - Ela sentiu que, apesar de estar casada com uma boa pessoa, ele não era suficiente.
- Ele não me bate, não me agride verbalmente! É sério que eu estou me contentando com menos do que eu gostaria por conta disso??? - Ela se indagava quase sem acreditar no que acabara de pensar.
Junto desse pensamento, veio um sensação horrorosa de se sentir um monstro.
- Mas ele sempre te tratou bem, gosta de ti do jeito que tu é, apoia nos teus trabalhos e até aceita que você exponha seus autorretratos e arte erótica nas redes sociais. - As vozes na sua cabeça começaram o julgamento.
- Meus Deus! Eu sou um monstro por pensar isso?? Mas eu não me sinto feliz! Eu quero mais! O feminismo e a bruxaria me ensinaram que eu mereço mais. - Pensou.
Depois de uma longa sessão no tribunal da consciência, ora como defesa, hora como acusação, ela entendeu que não conseguiria mais se contentar com o relacionamento que tinha até então e decidiu por um fim nisto. Ela havia cansado de toda pressão social que impunha a maternidade sobre ela, que cada vez mais teve a certeza que não queria ser mãe de criança, muito menos do seu próprio marido.
- Eu sinto muito por não ter lhe dito antes, por não ter a consciência antes daquilo que eu não queria, mas eu não aguento mais. Eu não quero mais estar nessa relação. - Disse ela ao seu marido.
Ao mesmo tempo que essas palavras saíram de sua boca, seu corpo foi tomado por uma leveza seguido de um alívio profundo. Não era a solução que ela queria, mas por hora era a que precisava.
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